Uma Carta, Um Encontro, Um Carro

Esta história aconteceu há muito tempo .
É do tempo em que as pessoas ainda mandavam cartas .
Ele, um senhor já com mais de 60 anos, era o vigia noturno do prédio onde minha mãe morava.
Falante , gostava de contar estórias do tempo em que havia servido ao exército , tendo participado das tropas brasileiras enviadas pela ONU para o canal de Suez , no final dos anos 50 , início dos 60 .
Sempre que eu voltava da rua parava para ouvir um de seus causos, sempre terminando com uma passagem pelo Egito .
Numa dessas conversas me fez um pedido .
Estava querendo conhecer alguém , um amigo que com ele dividia um minúsculo apartamento na Barata Ribeiro , ele e mais 7 , lhe deu a idéia de enviar uma carta para uma das revistas que sempre publicavam seções de correio sentimental .
Não sabia se expressar bem , como colocar suas idéias no papel,pediu minha ajuda .
Assim preparei um modelo de carta , que ele passaria a limpo , para enviar às seções de cartas .
Nela escrevia ser um senhor, boa saúde , bons hábitos, querendo encontrar alguém para passar os anos já que não tinha filhos ou companheira .

Dias depois, eufórico, quando parei para conversar me mostrou as respostas recebidas.
Havia selecionado algumas , queria responder, minha ajuda era de novo necessária .
Novo modelo, com variações para algumas cartas , foi feito .
Passado um tempo me disse que iria se encontrar com uma das candidatas .
É importante acrescentar uma informação.

Possuia ele um único bem.

Um Impala , dourado, rabo de peixe, pneus com banda branca, ano 1962, era sua paixão .

Era de fato lindo, objeto de colecionador.
Mantinha-o sempre conservado com o pouco que ganhava .
Havia-o comprado ao voltar da África , graças aos dólares poupados e aos ganhos em noites de pôquer e dados com soldados americanos .
Com o Impala e seu rabo de peixe , pneus originais, iria conhecer sua futura paixão de correio .
Uma semana depois ao encontrá-lo à noite perguntei , como foi o encontro ?
Desastroso , me disse .
A morena era até um pedaço de mau caminho bem conservada .
A havia encontrado em Botafogo e a levado para a Barra , logo ali na Ilha dos Pescadores .
Caso a conversa esquentasse a rua dos motéis estava logo ali , não precisaria rodar muito.
Estava disposto a consumir alguns choppes e batata frita , para isto estava preparado .
Mas não é que a dona ali resolveu logo de cara pedir um coquetel de camarão ?
Ah é , então traga 2 disse ao garçom .
Na sequencia resolveu a moça pedir um jantar e foi logo pedindo camarão gratinado .
Ok , traga 2 disse ao garçom e traga um bom vinho branco também .
E a moça cheia de não me toques , nem pegar na mão deixou .
Na hora do café desculpou-se , pediu licença para ir ao banheiro, e foi embora .
Rapaz, lhe disse, como você fez um negócio desse ?

Largou a mulher e foi embora ?
Pois é , acho que ela pensou que eu estava cheio de grana por causa do Impala , mas como não tem o endereço da minha casa , recebo as cartas em caixa postal , não pensei duas vezes , larguei a dona lá.
Nada como o tempo para provar a falsidade de algumas premissas .
Estava ele andando na Barata Ribeiro quando dá de cara com a infeliz missivista .
Não pensando 2 vezes partiu a senhora para cima dele o cobrindo de tapas e bolsadas .
Tentou fugir entrando em um ônibus mas a fera entrou atrás , acabaram parando na delegacia da Hilário Gouveia .
Na delegacia o delegado de plantão perguntou :
- Minha Sra , porque isso ? Porque agredir este cidadão desta maneira na rua ?
- Seu delegado, este safado, sem-vergonha, me convidou para sair . Fomos a um restaurante e na hora de pagar a conta sumiu. Eu estava sem nada , sem talão de cheques , nada na bolsa .
Tive que ficar até o fechamento , me botaram para lavar o chão e os garçons ainda queriam coisa comigo .
Nunca fui tão humilhada .
Virando-se para ele , o delegado perguntou :
- Foi isso mesmo ?
- Doutor, eu a chamei para um chopp com batata frita , isto eu podia pagar . Mas ela foi logo me avacalhando pedindo camarão e depois jantar com camarão . Eu pensei , ah é , quer assim , assim vai ser . Fui embora mesmo .
Ok , disse o delegado , chamando um detetive o encaminhou para outra sala e disse a Sra que iria prendê-lo .Passado um tempo o delegado foi até a outra sala , deu-lhe uma bronca e o mandou embora .A queixosa já havia saído de perto da delegacia , havia verificado .

Escrevi ainda para ele mais algumas cartas .
Uma destas motivou a vinda de uma viúva de SC ao Rio .
Tinha ela lá uma pequena confecção .
O conheceu de fato , sem falsas impressões .
Apaixonaram-se e para SC ele foi embora .

Comentários

acampanate disse…
Ely,
meu bom:
"Tinha ela lá uma pequena confecção .
O conheceu de fato , sem falsas impressões .
Apaixonaram-se e para SC ele foi embora ."
Por quê, mas por quê, meo deus, vc sempre tem que inverter o sujeito com o verbo? Você acha que fica mais elegante ou é só um cacoete?
Observe que na 1a frase isso não serviu sequer pra evitar o cacófato. Pra isso vc teria que ter escolhido outro verbo - usar o possuir p.ex.
'O conheceu': acho (eu e muita gente boa) que a forma 'conheceu-o' fica mais bem encaixada na dinâmica da língua, digamos assim.
Agora, por quê eu tô falando tudo isso? Estou a falaire tudo isso porque adoro seus causos e histórias e sempre sempre sem falhar uma única vez vc faz as inversões mesmo qdo não há a menor necessidade e várias vezes até qdo não há nenhum cabimento.
Um abração e não me queira mal - é mais uma curiosidade do q uma reclamação.
Abs
A d e l s o n
Ely Barbosa disse…
Oi Adelson,

Não havia notado, é vício de escrita talvez. Abs

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