Motivo para Seresta
Estávamos falando no almoço de lugares
fora do Rio de Janeiro para ir no feriado de Zumbi quando alguém mencionou
Conservatória .
A cidade é conhecida por suas rodas de
seresta . De imediato disseram isto é programa de gente velha .
Preconceito puro, falta de sensibilidade
em apreciar e ouvir um violão .
As vezes as intenções podem ser outras ,
como o acontecido naquele verão em Bela Vista – MS .
Estava de férias na universidade , para
a cidade de meu pai eu fui passar umas semanas.
A cidade, na fronteira com o Paraguai , tinha no final dos anos 70
algumas limitações .
A luz fornecida pela prefeitura só ia
até as 23 horas , depois disso o blecaute acontecia. Para economizar óleo nos
geradores a prefeitura desligava a luz.
Desta forma os poucos bares da cidade
fechavam , e um grupo de 6 a 8 universitários , de 20 e poucos anos, ficava sem ter lugar para
se reunir .
Acostumados que estávamos com as
facilidades da noite em SP , BH, Rio e outras grandes cidades era muito ruim ir
para casa as 23 horas .
Para resolver levávamos caixas de isopor
com gelo e lá colocávamos cerveja e copos .
De vez em quando uísques apareciam e a
conversa rolava até as 3, 4 horas da manhã .
Ia assim a programação quando alguém
teve a ideia , porque não montamos uma serenata ?
Fulano tinha um violão , outro um
cavaquinho , vamos tocar na frente da casa onde mora uma menina conhecida .
Por tradição o dono da casa deveria abrir as portas e oferecer uma bebida aos
seresteiros .
Forma muito agradável de beber de graça e passar o resto da noite .
Eu conhecia duas músicas , Noite Cheia
de Estrelas de Nelson Gonçalves e Esses
Moços de Lupiscínio Rodrigues . Lembraram de mais três e assim o repertório
estava montado .
Numa sexta-feira começamos , fomos para
a frente da casa de M. , que estudava medicina em SP e estava de
férias na cidade .
Abrimos com Noite Cheia de Estrelas , “Noite
alta céu risonho , a quietude é quase um sonho , o luar cai sobre a mata , qual
uma chuva de prata de carinho e esplendor , só tu dormes não escuta , o teu
cantor .......”
As portas da sacada se abriram , por
trás da luz de um lampião surgiu M. com a mãe e a irmã, olhares surpresos .
Pude ver os sorrisos , e feliz fiquei
antes de terminar a música quando ouvi a
mãe de M. ordenar ao marido que abrisse a porta e nos oferecesse algo
.
Black Label foi oferecido e aceito .
Cantamos o resto do modesto repertório,
bebemos mais umas 4 doses e saímos com
aplausos da casa e dos vizinhos que apareceram .
No dia seguinte fomos notícia no jornal
da cidade que saía durante a tarde ,” Jovens
trazem a seresta de volta a Bela Vista ,
tradição de romantismo resgatada .... “.
Se soubesse o jornalista a real razão
....
Já que deu certo uma vez porque não
tentar outra ?
Repetimos no sábado , de novo dois dias
depois, e assim fomos parando em todas as casas onde sabíamos ter menina de
nossa idade .
Até pedidos nos chegaram para fazer a “surpresa “ , nestes casos a recepção era mais
calorosa , até uísque 20 anos de várias marcas aparecia .
Não havíamos pensado entretanto em um
problema . A cidade é muito pequena, seu núcleo urbano na época não era tão
grande .Logo acabou a lista de meninas conhecidas . Cantar na frente da casa de
alguém que se não conhecesse poderia dar problema . Podia aparecer um pai ou
marido ciumento e lá estas questões se resolviam na bala .
R, sugeriu vamos lá em casa . Cantar para quem foi a pergunta .
Para minha irmã disse R.
Essa não dá disse O. , sua irmã é muito
feia .
Acabou assim , depois de 3 semanas, meu
grupo de seresta .
Estava na hora mesmo de voltar para o
Rio .
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