Interpretando obras de arte

Estávamos fazendo a apresentação do projeto automação de lojas ,no início dos anos 90 , para os participantes da convenção anual da rede de lojas onde trabalhávamos .
A convenção acontecia nas salas do já extinto Hotel Nacional , em São Conrado , Rio de Janeiro .
Na parte da tarde , após o almoço , a primeira apresentação ocorria somente às 15 horas , ficávamos portanto fazendo hora e flanando pelo Hotel .
Descobrimos assim que próximo ao lobby do hotel acontecia ,naquela semana, uma exposição de obras de arte , esculturas e quadros de diversos artistas.
Para lá nos dirigimos , eu e Paulo , para conhecer e observar as obras e matar o tempo .
Paulo , analista de organização e métodos , vestia-se em padrão do típico yuppie .
Dono de excelente bagagem cultural , discorria com facilidade sobre qualquer tema.
Na entrada da exposição a primeira peça que vimos foi uma representação em granito de um Dom Quixote , lança em punho , sem a presença dos moinhos de vento .
Brincando , e provocando Paulo , perguntei :
- Paulo , o que busca representar o artista com este Quixote ?
Este que não se fazia de rogado , começou a "interpretar " a obra .
- Aqui o artista busca representar o eterno paradoxo da vida humana . Paradoxo porque é êfemera mas ao tempo luta sempre com os diversos moinhos de vento de Quixote , propositalmente aqui não mostrados e blá bláblá .....
Brincávamos pois já havíamos comentado antes a enorme batatada que sempre se ouve quando das exibições de peças de arte .
Passando para a outra peça , um quadro , provoquei de novo :
- E este quadro Paulo , o que o artista busca mostrar ?
- É quadro fortemente influenciado pela escola impressionista francesa , claramente demonstrado pelo uso das cores e luz mas traz também , pelas marcas das pinceladas e das figuras humanas , a presença tênue da escola modernista , e blábláblá ......
No próximo quadro não precisei provocar , Paulo disparou o discurso novamente .
Percebendo algo de diferente olhei para trás e vi que um grupo de 3 pessoas acompanhava a explanação .
Paulo já havia notado e tinha encarnado o personagem de crítico de arte .
As pessoas , provavelmente , haviam pensado tratar-se de guia a conduzir visitas pela exposição .
Por mais 3 obras a visita "guiada" continuou , acenos de cabeça eram vistos , a produzir confirmação para a enorme batatada que Paulo produzia .
Até que chegamos em frente a um quadro em que um losango dividia a tela .
Em seu centro a côr rosa , os quatro cantos com cores diferentes , amarelo , azul , verde , vermelho .
Dirigindo-se a mim , Paulo iniciou o discurso :
- Esta peça representa a totalidade da essência do processo criativo do artista .
O azul remete a divindade , a côr do céu , a presença do artista perfeito , sem falhas . Como não consegue atingir a perfeição , representa o artista sua tristeza no amarelo , mas guarda ainda resquícios de esperança de atingir a maestria , a obra perfeita , através do verde , pois é viva em seu ser a emoção , a paixão criadora , representada pelo vermelho .
Com o silêncio , peguntei :
- Paulo , e o rosa ?
- Rosa é coisa de viado , este artista deve ser uma tremenda bichona .
As gargalhadas deram fim a visita .

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